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Um escritor de Luminárias (MG) lançou um livro que resgata a lenda do “Sete Orelhas”, um justiceiro fora da lei que teria vivido na cidade de São Bento Abade (MG) durante o período colonial, na passagem do século XVIII para o XIX, por volta do ano 1.800.
Com o título de “Pesadelo Tropical”, o romance lançado pela Editora Aboio e desenvolvido durante uma pesquisa de mestrado na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), se baseia em pesquisas histórias para fundir ficção e realidade.
Escritor de Luminárias lança romance que resgata a lenda de ‘Sete Orelhas’, justiceiro do Sul de Minas — Foto: Arquivo Pessoal / Marcos Vinícius Almeida
A obra, segundo o autor, transporta os leitores para um Brasil esquecido no tempo, amaldiçoado por Deus e povoado por cavaleiros barracos, através de um mosaico que envolve fotografias, obras de arte e recortes de mapas.
“Fui pesquisar esse banditismo social na comarca do Rio das Mortes, tem alguns livros interessantes sobre isso, e aí eu descobri que tinha outras gangues lá, outros bandidos. Tem um famoso ‘Mão de Luva’, até que já virou série e tal. Tinha a gangue dos Garcias, aí tem uma gangue que eu fiquei fascinado, que era a gangue da Mantiqueira, que era liderada por um bandido que chamava “Montanha”, que eles tocavam o terror no alto da Serra da Mantiqueira. Aí eu misturei um pouco desses elementos da história dos Sete Orelhas”, explica o autor Marcos Vinícius Almeida, que além de escritor, é jornalista e mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
A história se passa em 1803, quando quatro mercenários são contratados pela Coroa Portuguesa para uma perigosa missão no Mato Grosso. Guiados por um gigante albino chamado Cigano, eles devem unir forças com os indígenas cavaleiros Guaicurus para atacar a vila de párias construída pelo justiceiro Januário Garcia Leal, mais conhecido como Sete Orelhas, nas montanhas da Serra da Mantiqueira.
Escritor de Luminárias lança romance que resgata a lenda de ‘Sete Orelhas’, justiceiro do Sul de Minas — Foto: Arquivo Pessoal / Marcos Vinícius Almeida
A narrativa é apresentada através do ponto de vista de um dos quatro mercenários, um escriba, e revela apenas o começo de uma trama misteriosa que se desenrola para além das páginas do livro.
“No romance, esses quatro mercenários vão lá fazer um acordo, levam ouro, estão fazendo um acordo com os guaicurus, para atacar uma gangue que está no alto da Serra da Mantiqueira, montando uma vila, que é liderada pelo Sete orelhas. E aí o enredo é essa trajetória dele, como marca do Rio das Mortes, um lugar meio abandonado, uma decadência do ouro, meio um faroeste decadente e tal. E aí termina o grande embate, essa gangue vai encontrar com a gangue do Sete Orelhas no alto da Serra da Montiqueira”, conta o escritor.
O livro “Pesadelo Tropical” já está à venda pela internet e será apresentado nos próximos meses em eventos de literatura em São Paulo e Minas Gerais, principalmente em Luminárias e São Bento Abade.
Januário Garcial Leal, o Sete Orelhas, conforme registros históricos, teria sido um dos mais terríveis facínoras do interior brasileiro, considerado pior até que Lampião.
Ele foi um fazendeiro que vivia em uma propriedade denominada “Ventania”, hoje no município de Alpinópolis (MG), juntamento com sua família e escravos.
Sua vida foi pacata até que um acontecimento trágico a mudou definitivamente: a morte covarde de seu irmão João Garcia Leal, que foi surpreendido na localidade de São Bento Abade por sete homens e atado nu em uma árvore, onde foi assassinado a sangue frio, tendo os homicidas retirado lentamente toda a pele de seu corpo. A árvore onde o crime teria acontecido foi apelidada de “Tira Couro”. A motivação do crime, conforme a versão mais conhecida, seria uma disputa de terras.
Escritor de Luminárias lança romance que resgata a lenda de ‘Sete Orelhas’, justiceiro do Sul de Minas — Foto: Arquivo Pessoal / Marcos Vinícius Almeida
Conforme os registros históricos, a burocrática Justiça colonial mostrou-se absolutamente indiferente ao episódio, deixando impunes os sete irmãos que haviam executado a barbárie.
Foi assim que, ante a indiferença dos órgãos de repressão à criminalidade, que Januário associou-se a seu irmão caçula Salvador Garcia Leal e ao tio, Mateus Luís Garcia, e, juntos, os três capitães de milícias assumiram pessoalmente a tarefa de localizar e sentenciar os autores do crime contra João Garcia Leal, dando início a uma perseguição atroz.
A lei escolhida por Januário, chefe do bando de justiceiros privados, foi a de talião, ou seja, a morte aos matadores – com o requinte estarrecedor de se decepar uma orelha de cada criminoso, juntando-as em um macabro cordão que era publicamente exibido como troféu pelos implacáveis vingadores.
Somente depois de decepada a última orelha dos criminosos é que Januário deu-se por satisfeito.
Quem visita São Bento Abade, o município de cerca de 5 mil habitantes que teria sido palco da matança promovida pelo “Sete Orelhas”, é apresentado a um verdadeiro itinerário dessa saga de assassinato e vingança ocorrida durante o período colonial.
Na Casa da Cultura Sete Orelhas, há livros e reportagens sobre o assunto. No entorno da figueira Tira Couro, placas informativas em forma de orelha. Na praça central, a figura de Januário Garcia Leal, o Sete Orelhas, está eternizada na estátua de um homem montado em seu cavalo.
Monumento que relembra história do “Sete Orelhas” também tem apresentação de cada vítima que perdeu a orelha para o justiceiro — Foto: Arquivo Pessoal / Marcos Vinícius Almeida
A história do “Sete Orelhas”, um dos personagens mais importantes da história regional, faz parte do imaginário da população de várias cidades do Sul de Minas e já foi tema de documentários, livros, peças de teatro e até inspiração no cinema.
Mas segundo o escritor Marcos Vinícius Almeida, que pesquisou a história para lançar um novo livro em que o “Sete Orelhas” aparece como personagem, há duas versões divergentes sobre quem teria sido o justiceiro.
“Minha namorada é historiadora e ela costuma dizer que não existe realidade no passado. O que existe são textos. E textos e memórias orais, às vezes documentos. E esses textos eles não falam por si, eles são sempre interpretados. Então, essa história do Sete Orelhas tem duas fontes. Quem pesquisa história dos Sete Orelhas, fala de versão mineira e versão paulista”, explica o escritor.
Lenda do “Sete Orelhas” tem monumento dedicado ao justiceiro em São Bento Abade — Foto: Arquivo Pessoal / Marcos Vinícius Almeida
Segundo o escritor, na versão mineira, que é a versão mais famosa, do livro “O Sete Orelhas”, de José Teixeira de Meirelles, a briga é por uma divisa de terras, em que o irmão de Januário é esfolado vivo.
Já na versão paulista, baseada no conto “Januário Garcia e os Sete Orelhas”, de Joaquim Naubert, o caso se passa em Sorocaba (SP) e não faz nenhuma relação com São Bento Abade. No conto, a história também apresenta diferenças, porque nela, a motivação do crime não é por uma disputa de terras e sim por um caso de amor, em que o filho de uma família se interessa por uma moça, cujo pai não aprova o relacionamento. Aí os irmãos se juntam, pegam o filho de Januário e o esfolam vivo. Aí Januário faz a mesma vingança relatada na lenda.
O escritor também aponta outros elementos da história do “Sete Orelhas” que teriam vindo do imaginário popular.
“Alguns elementos vêm do imaginário, da violência dos bandeirantes, por exemplo. Era comum os bandeirantes arrancarem as orelhas dos indígenas. Então, isso é uma violência que já estava no imaginário. Eu fui pesquisar, na iconografia medieval, na arte medieval, tem um santo católico que é o São Bartolomeu, que até a capa do meu livro é uma imagem de São Bartolomeu, ele foi amarrado numa árvore e é esfolado vivo. Tem vários santinhos do São Bartolomeu sendo esfolado.
“Então, eu não sei se essas histórias se misturam, se apropriam de uma coisa ou de outra, porque é muito parecido a cena dele amarrado na árvore, ser esfolado, você vê as pinturas medievais, tem muitas coisas muito antigas”.
Para o escritor, a história do “Sete Orelhas” é mais ficcional do que propriamente um registro histórico.
“Existia um cara chamado Januário que tinha uma gangue dos Garcias. Esse cara existiu, está documentado. Agora, o Sete Orelhas, ele é mais ficcional do que propriamente histórico. Essa mistura, aí é difícil saber como aconteceu, porque esses elementos vieram de outro lugar. Essa coisa do esfolamento é mais antiga ainda. Está nos santos católicos e também na mitologia grega”, explica o escritor.
Fonte: g1 Sul de Minas – 19/09/2023 07h21