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Todo mundo já passou pela experiência de escutar uma música e depois não conseguir parar de cantar o refrão por vários dias. Esse efeito chiclete dá a sensação que o cérebro acionou o modo repeat e a letra ou a melodia viram a trilha sonora da rotina.
“Dentro do cérebro nós temos as memórias operacionais, aquelas que usamos no dia a dia. As músicas, teoricamente, não fazem parte das memórias que usamos no cotidiano porque as utilizamos em momentos muito específicos. Contudo, algumas dessas canções entram em um processo conhecido como loop fonoaudiológico, que está presente nessas memórias operacionais”, explica Diogo Haddad, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
De acordo com o especialista, algumas músicas despertam esse processo de loop mais facilmente do que outras. Isso acontece, principalmente, por conta de ritmos mais simples, letras mais curtas e também pela repetição daquele som em um curto espaço de tempo.
As sensações despertadas também podem influenciar no “fator chiclete” de uma música no cérebro. O neurologista afirma que, depois as ondas sonoras chegam aos ouvidos, há um estimulo do córtex auditivo primário, área localizada na região temporal do cérebro e que é a responsável por captar o tom e o volume.
O córtex auditivo primário encaminha para as regiões corticais do cérebro as informações relacionadas às sensações e lembranças que a canção pode despertar, como felicidade, tristeza, recordação de alguma situação e até mesmo um cheiro característico.
“Por isso que você tende a gostar e guardar músicas que tenham ou uma carga emocional maior ou que simplesmente te deixem bem, fazendo você esquecer do estresse, da rotina do seu trabalho. Para isso você precisa de uma música simples, você não vai querer uma música extremamente complexa”, enfatiza.
O produtor e beatmaker carioca Papatinho, que já assinou sucessos interpretados por Anitta, Snoop Dogg e Seu Jorge, revela que durante a criação ele tenta sempre inserir alguma batida ou melodia que faça a diferença na cabeça do público.
“Eu fico sempre buscando um molho especial, um elemento que vai fazer a música ser viciante, como um beat ou uma melodia que chame a atenção”, afirma o produtor.
“Quando estou mexendo bastante em uma música e ela não enjoa, quando fica rolando o loop e no dia seguinte, na semana seguinte e eu ouço e continuo gostando, tem grandes chances dela se transformar em um hit e, consequentemente, numa música chiclete”, completa.
Assim como ressaltou o neurologista, Papatinho também entende que muitas vezes são as batidas e melodias mais simples que fazem um lançamento viralizar e grudar na cabeça. Em alguns casos, ele afirma que preza por um estilo minimalista, como no caso de “Amor de Fim de Noite”, do rapper Orochi, e “Perdição”, do L7nnon, cada uma com mais de 120 milhões de views no YouTube.
“São duas músicas que entram na onda do minimalismo, elas quase não possuem elementos, são muito simples e apenas a melodia delas já funciona para ficar na cabeça das pessoas”, destaca Papatinho.
Outro produtor e beatmaker muito conhecido no cenário musical brasileiro é Nave Beatz. Ele, que produziu o álbum AmarElo, do Emicida, e conquistou o Grammy Latino 2020 pelo trabalho, também participou da produção da “Desabafo/Deixa Eu Dizer”, do Marcelo D2, que já foi reproduzida mais de 52 milhões de vezes no Spotify.
“O fato de eu utilizar um trecho da música ‘Deixa eu Dizer’, do Ivan Lins, no refrão, mas sendo interpretada pela Claudia, foi um ponto para a música ser um sucesso. O refrão é muito forte e a letra que o Marcelo fez é muito fácil de ser lembrada, então acredito que foi um algo meio 50/50 entre a letra dele e a minha produção com o beat e o refrão”, afirma.
A música “Bilhete 2.0”, interpretada por Rashid e Luccas Carlos, atingiu mais de 77 milhões no Spotify e também foi produzida por Nave. O beatmaker entende que o fato da canção ter um tema muito claro e simples foi um dos pontos que fez muitas pessoas se imaginarem no lugar dos cantores na história contada.
“Essa canção sempre teve um carisma. O refrão dela pega de primeira e essa é uma característica das músicas-chiclete, elas não enrolam e ficam na cabeça das pessoas logo na primeira vez.”
A redes sociais ajudam artistas a divulgarem seu trabalho e também potencializam o efeito chiclete. Para o neurologista, a junção das batidas fortes com as danças e a repetição da canção são elementos que facilitam a absorção das músicas apresentadas nas plataformas digitais.
Além disso, o fato da pessoa, normalmente, estar relaxadas enquanto assistem aos vídeos de influenciadores e anônomos fazendo as coreografias na internet também ajudam a fixar a música na cabeça.
“Nosso cérebro cria uma projeção. Então, se você tem algum interesse em acompanhar aquela pessoa no que ela faz, usa e ouve, da próxima vez que você ouvir aquela música provavelmente vai lembrar daquele influenciador, criando mais um elemento para que a música fique na memória”, enfatiza o especialista.
Nave Beatz destaca ainda que uma batida com características bem próprias, como uma quebra inusitada ou um trecho mais barulhento, tendem a ser as mais usadas para criação de coreografias que podem viralizar na internet. “Isso consequentemente vai ter uma influência direta nas plataformas de streaming, fazendo com que a canção atinja ainda mais pessoas e venha a se tornar uma música chiclete”, ressalta o produtor.
Fonte: R7 – 26/07/2021 – 02H00